THE BIRTH OF LIGHT
by Luigi Dias
Qual a importância de um livro de fotografias de Ladakh em nossos tempos?
Que diferença farão essas belíssimas imagens em um mundo onde as pessoas estão cada vez mais voltadas para si mesmas, convencidas de suas próprias verdades?
Primeiro, é necessário aproximar-se da arte com serenidade e um coração aberto. Muito se fala sobre o papel do artista. Como fotógrafo, não busco convencer ninguém; meu intuito é inspirar e, nesse processo, quem sabe, despertar um deslumbramento, uma fagulha de interesse que possa acender o olhar e a imaginação.
Ladakh é a última fronteira do Planeta Terra. Um universo tão único e inexplorado que, pelo simples fato de respirarmos seu ar tão raro, somos transportados sem escalas para um passado remoto de sensações — uma cultura intacta pelos modernismos ocidentais, onde encontramos um povo preservado em sua essência pelas montanhas eternas do Himalaia. Minha intenção não é doutrinar ninguém sobre os intricados caminhos do Budismo Tibetano, seus seres fantásticos e mundos paralelos, ou discorrer sobre a inusitada culinária local, que exala perfumes e sabores pouco conhecidos pela maior parte do mundo. Não, esse não é o meu propósito.
Mas, em um mundo tão carente de experiências autênticas, resta-me apenas trazer à tona essas imagens e dizer: aqui estão, faça delas o que quiser. Mas não duvide, nem por um instante, que essas paisagens imponentes, esses rostos marcados pelos ventos cortantes do topo do mundo, são pura invenção de um artista. Garanto-lhes que essas pedras podem ser tocadas; que essas nuvens podem servir de abrigo; que essas estradas podem ser percorridas.
E se o destino assim quiser, que essas imagens possam inspirá-lo a vivenciar, na pele e no olhar, o que é ter o eterno ao alcance das mãos.
Ladakh despertou em mim uma luz que nunca imaginei possuir. Essa é a sua relevância.
Luigi Dias
"O universo é feito de histórias, não de átomos", afirma, com brilho, a escritora americana Muriel Rukeyser em seu poema “The Speed of Darkness”.
Dizem, nos quatro cantos do planeta, que Jesus Cristo, em seus anos esquecidos pelos evangelhos, encontrou refúgio no Mosteiro de Hemis, escondido nas montanhas do extremo norte da Índia. Lá, teria estudado os ensinamentos budistas, antes de levá-los consigo para Jerusalém, ao entardecer de sua vida.
É uma história fascinante, embora o Mosteiro de Hemis date apenas do século XI. Mas essa narrativa nos lembra que sempre haverá espaço para histórias que nos elevam acima do cotidiano, transportando-nos para uma realidade fantástica e fazendo-nos sonhar.
Foi por entre recantos remotos, entre os picos majestosos da enigmática região de Ladakh, navegando por desfiladeiros ameaçadores e planaltos eternos acariciados pelo vento, que iniciei uma busca por sentido e solitude — na esperança de me conectar com a grandiosidade do universo ao meu redor e escrever mais um capítulo de minha própria história.
Nesse refúgio encantado, onde o tempo é medido pela luz do sol e pelas marés do espírito, mergulhei na essência de um lugar onde a natureza selvagem se funde com a sensibilidade profunda e ritualística do budismo Vajrayana. Estas imagens capturam momentos efêmeros, mas cheios de significado, que ilustram a magnitude e a serenidade deste território histórico, impregnado de influências culturais e étnicas predominantemente tibetanas.
Diz-se que em Leh, a diminuta capital de Ladakh, com seus 30 mil habitantes, a cultura tibetana é mais preservada do que no próprio Tibete. Essa singularidade se deve, em parte, ao fato de ser uma região de difícil acesso, isolada do mundo por quase oito meses ao ano, envolta em neve e frio extremos — acessível apenas pelo céu.
Longe das amarras ideológicas da China, o povo de Ladakh sente-se livre para expressar e viver sua fé sem temores.
O budismo chegou a Ladakh durante o Império do Tibete, entre os séculos VII e IX, e se entrelaçou com o Bon, uma antiga religião indígena local, dando origem ao Vajrayana, ou Budismo Tibetano. Diferente do Theravada, a mais antiga das escolas budistas sobreviventes, as tradições Vajrayana e Mahayana falam de um Buda eterno, que alcançou a iluminação há muitas vidas e cuja consciência continua a se manifestar em diferentes reinos e formas — explicando a profusão de imagens fantásticas que habitam os mais de cem mosteiros espalhados pelas escarpas de Ladakh.
Se tudo em Ladakh é superlativo, épico, avassalador, é nos monastérios sagrados que a busca por um entendimento mais profundo da região se torna tangível. Nesses verdadeiros oásis da alma, senti-me envolto em um silêncio profundo, cada mantra entoado penetrando minha essência, lembrando-me a cada instante que a jornada interior é tão vital quanto a exploração externa.
Dos 108 monastérios que se espalham pelas encostas de Ladakh, Sumda Chun, construído no século XI, talvez seja o mais precioso relicário dos primórdios do budismo tibetano. De acesso difícil e ainda mais isolado que o monastério de Alchi, mas igualmente antigo, Sumda Chun é habitado por apenas um punhado de monges que encontram em seu isolamento a paz necessária para suas preces.
Se Sumda Chun surpreende por sua aura misteriosa e enigmática, o Mosteiro de Thiksey encanta pela grandiosidade e beleza de sua arquitetura, que evoca a majestade do Palácio de Potala em Lhasa, no Tibete.
Do topo de Thiksey, avistam-se as planícies inundadas do espetacular Vale do Indo, o Mosteiro de Matho a leste, o Palácio Real de Stok ao sul e o antigo palácio real em Shey a oeste.
Entre as muitas festas religiosas que ocorrem em Ladakh durante os meses mais quentes, de abril a agosto, talvez o Festival de Hemis seja o mais grandioso e emblemático.
Os festejos, que duram dois dias e são dedicados ao Guru Rinpoche, fundador da escola Budista Tibetana Tântrica, começam cedo pela manhã no pátio retangular do milenar Mosteiro de Hemis, situado a quase 4 mil metros de altitude, em meio a montanhas de pedra colossais, salpicadas por pequenos vilarejos. De lá, descem os habitantes das tribos ladaquianas, em busca de bênçãos e proteção contra as forças do mal.
O Festival de Hemis impressiona pela ancestralidade de seus sons e danças, transportando-nos instantaneamente para outra dimensão. É preciso estar lá, sob o sol inclemente do Himalaia e o poderoso chamado das Dungchen, as longas cornetas tibetanas, para compreender sua verdadeira força.
Viajar por Ladakh é um exercício constante de desapego. Para seguir adiante, é preciso deixar para trás as certezas e os confortos da cidade, como um gesto de humildade e perseverança. Se o ar rarefeito e as longas distâncias parecem intransponíveis, saiba que é apenas cruzando a região por suas estradas empoeiradas — muitas vezes invisíveis — que se começa a desenhar o mapa da grandiosidade de Ladakh.
Espalhado entre as majestosas montanhas do Himalaia e seus picos nevados, estende-se o Vale de Nubra — sem exagero, a região mais linda do mundo. Para chegar a Nubra, atravessamos a Khardung La, a rodovia mais alta do planeta, a cerca de 6.000 metros de altitude, onde literalmente perdemos o fôlego. Avançando por geleiras eternas e sob um céu azul-marinho que parece desabar sobre nossas cabeças, temos a sensação de que finalmente chegamos ao topo do mundo.
Estar diante das paisagens delirantes de Nubra é uma experiência sinestésica em sua essência mais pura — ouvimos suas cores, enxergamos seus sons, nos saciamos de suas belezas. As paisagens se estendem como pinturas vivas, revelando uma paleta de cores que transcende a imaginação. Cordilheiras nevadas se erguem orgulhosas, como guardiãs eternas de um segredo ancestral, permeadas por monastérios milenares, onde a alma encontra seu lar e se conecta com a vastidão do universo.
É nesse cenário transcendental que encontro o povo de Ladakh, cujos rostos refletem a sabedoria acumulada ao longo dos séculos. Homens e mulheres que mantêm uma ligação íntima com a natureza e abraçam a simplicidade como uma dádiva divina. Suas roupas gastas e seus sorrisos sinceros revelam a alegria que reside no coração de uma comunidade unida pela compaixão e pelo compartilhamento de valores nobres.
LADAKH: A VOYAGE WITHIN
LUIGI DIAS
Sobre o autor
Luigi é um dos artistas mais inovadores do Brasil, com uma carreira distinta que se estende por mais de 45 anos. Sua vasta experiência abrange papéis como diretor de filmes, diretor de arte para cinema e impressão, editor, designer de motion graphics, colorista, diretor de fotografia, além de ilustrador e fotógrafo premiado internacionalmente.
Luigi começou sua carreira nos anos 1980 como ilustrador para diversos jornais brasileiros, revistas de música e quadrinhos. Na década de 1990, ele avançou para Diretor de Arte e Chefe de Cinema na DM9DDB Brasil, onde ganhou prêmios prestigiosos, incluindo Clio e Cannes Lions. Desde então, fundou duas casas de produção e contribuiu como fotógrafo para várias revistas de viagem brasileiras. Seu portfólio de direção inclui filmes para clientes importantes como PepsiCo, Procter & Gamble, Land Rover, Johnson & Johnson, Hyundai, Anheuser-Busch InBev e Samsung. Em 2017, Luigi lançou seu primeiro livro fotográfico, I Didn't Mean to Hurt You, apresentando imagens de Cuba, Rússia, França e Brasil.
De 2019 até o final de 2020, Luigi trabalhou como diretor de cinema na SIRAP Production Company em Melbourne, Austrália. Desde 2020, atua como Chefe de Cinema na Agência de Publicidade HAVAS e como diretor de cinema na MERCI, sua produtora interna. Em 2024, Luigi lançou seu projeto de Fine Art Prints, LUME®.
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